Melanoma por Cecília Moura

O melanoma resulta da transformação maligna dos melanócitos/células névicas localizadas na pele (mais frequente), epitélio de revestimento das mucosas, nevos melanocíticos/congénitos, melanócitos em vísceras e no olho. Calcula-se que 30% dos melanomas surjam em lesão pigmentada prévia.

No início do século passado era considerado um tumor raro; contudo, a sua incidência aumenta mais do que as restantes (aumento estimado em 4-8%/ano). O risco de sofrer de melanoma ao longo da vida nos EUA foi calculado em 1/1500 em 1935, tendo aumentado gradualmente ao longo das últimas décadas para 1/250 em 1980, 1/100 em 1991 e finalmente, 1/70 em 2002. Dados de Portugal fornecidos pelo Registo Oncológico Regional (ROR) colocam a incidência de melanoma em 6-8 casos/100.000 habitantes, sendo esta incidência semelhante à verificada nos países do sul da Europa (nomeadamente Espanha e Itália). Contudo, há problemas na notificação dos casos de melanoma, uma vez que nem todos os doentes são tratados a nível hospitalar.


São factores de risco para o melanoma a exposição solar, tanto a cumulativa ao longo da vida como a episódica, intensa e intermitente, principalmente em doentes com determinadas características constitucionais, como pele clara, com efelides, cabelos e olhos claros, que reage com queimadura solar à exposição solar, bem como a presença de múltiplos nevos melanocíticos ou de nevos melanocíticos atípicos. Genodermatoses com incapacidade de reparar danos no ADN, como o xeroderma pigmentosum, são de alto risco para melanoma. A história familiar de melanoma favorece igualmente a probabilidade de sofrer de melanoma, principalmente nos casos de melanoma familiar (mais de três parente em 1º grau afectados pelo tumor). Os antecedentes de neoplasia não melanocítica são também de considerar como factor de risco, bem como a presença de imunossupressão (ex: doentes transplantados ou com SIDA).

Os melanócitos malignos produzem habitualmente melanina, o que favorece a detecção clínica do tumor. O melanoma cresce nos tecidos de duas formas: Crescimento radial (minimamente invasivo) e Crescimento vertical, ou seja, em profundidade na derme e em proximidade vasos, com capacidade de originar metástases. O prognóstico do tumor depende da fase de crescimento radial, que é de anos a décadas no lentigo maligno, meses a 2 anos no melanoma extensão superficial e inferior a 6 meses no nodular. O diagnóstico precoce leva, na maioria dos casos à cura do tumor, mas o diagnóstico em fases tardias acarreta elevada mortalidade e morbilidade, pelo que é importante aumentar a acuidade diagnóstica do melanoma. O diagnóstico diferencial do melanoma faz-se com lesões melanocíticas como os nevos melanocíticos adquiridos e congénitos, nevo azul, nevo Spitz, lesões não melanocíticas como lentigos, queratose seborreica, basalioma, queratoacantoma e dermatofibroma, lesões vasculares como angioma/angioqueratoma, sarcoma Kaposi e hematoma (ex: sub-ungueal), e tumores anexiais como poroma écrino e hidrocistoma écrino. Tem sido classicamente referido o Sistema ‘ABCDE’ para o diagnóstico para o diagnóstico precoce do melanoma, sendo que o A se refere a Assimetria da lesão, B ao Bordo irregular, C à Cor heterogénea, D ao Diâmetro (> 5 mm) e E à Evolução brusca de morfologia. Critérios tardios são a inflamação, exsudação/hemorragia e prurido/dor/sensibilidade alterada. Estes critérios aplicam-se sobretudo no melanoma de extensão superficial, havendo autores que sugerem a continuação do sistema com E (elevado), F (firme) e G (do inglês growing) para aumentar a acuidade diagnóstica no melanoma nodular.

Os tipos clínicos de melanoma são o de extensão superficial, nodular, acral lentiginoso, lentigo maligno melanoma e outros.
O tipo de melanoma mais frequente na raça branca é o de extensão superficial, responsável por 70% dos casos. Surge habitualmente entre 30-50 anos, sendo os locais mais frequentes a perna na mulher e o dorso no homem. Os factores de risco conhecidos são a presença de lesões precursoras, como os nevos atípicos, a história familiar de melanoma, características fenotípicas como pele clara que não pigmenta e exposição solar excessiva, pré e peri-adolescência, com queimadura solar. O doente padrão é o jovem urbano com exposição solar frequente, intermitente e excessiva. Traduz-se por uma mancha ou placa assimétrica, com bordo irregular, pigmento heterogéneo normalmente com várias tonalidades de castanho, podendo ter áreas negras ou rosadas/esbranquiçadas (traduzem regressão), dimensões superiores a 5 mm e aumento de dimensões. Ulceração e hemorragia são tardios e implicam pior prognóstico. O 2º tipo mais frequente na raça branca é o melanoma nodular, responsável por 15% dos casos. Surge habitualmente por volta dos 50 anos, em ambos os sexos. Os factores de risco semelhantes ao de extensão superficial. Clinicamente traduz-se por nódulo ou placa, cor negra homogénea ou rosada, nas mesmas localizações que o anterior, sendo que a ulceração e a hemorragia são frequentes. A sua evolução clínica é muito rápida, e é habitualmente espesso e com mau prognóstico. O melanoma acral lentiginoso é o tipo mais comum de melanoma em populações asiáticas/negras. Surge por volta dos 60-70 anos, nas Palmas/plantas/ Mucosas/ subungueal. É uma placa pigmentada normalmente com área lentiginosa plana e, posteriormente, com componente nodular invasivo. A evolução é longa nos melanomas acrais mas particularmente agressiva nos melanomas das mucosas. O lentigo maligno melanoma constitui 5% dos melanomas na raça branca, sendo raro noutras raças. Atinge ambos os sexos em idades mais avançadas e tem relação com exposição solar prolongada profissional. A fase de crescimento radial decorre em anos, tendo uma evolução lenta, até ao momento em que passa a ter crescimento vertical na derme, tornando-se então de prognóstico semelhante aos restantes. Clinicamente traduz-se por mancha ou placa de alguns cm a 20 cm, com bordos irregulares, pigmento heterogéneo, em áreas expostas como a face (mais frequente), pescoço, antebraço e dorso mão e, mais raramente, perna. Baseado nas características clínicas, biológicas e epidemiológicas Lipsker propôs nova classificação do melanoma, constante no Quadro I.

Variável

Melanoma I

Melanoma II

Melanoma III

Incidência

Estável

Aumento (+sol)

Aumento (+idosos)

Taxa de crescimento

Rápida

(>0.5 mm /mês)

Lenta

(0.1-0.5 mm mês)

Muito lenta

(<0.1 mm/mês)

Mutações BRAF

Ausente (?)

Presente

Ausente

Prognóstico

Mau

Bom

Bom

Detecção precoce/prevenção

Não

Sim

Sim

Exposição solar na génese

Não

Sim

Sim

Localização

Variável

Áreas fotoexposição

intermitente

Áreas  fotoexposição

crónica

Características clínicas

Crescimento rápido

Nódulo amelanótico

ABCDE

ABCDE

 Quadro I – Classificação do melanoma Lipsker BrJDermatol, 2007

Perante a suspeita clínica de melanoma é necessário proceder à exerese cirúrgica da lesão para classificação, com margem de 3-5 mm. Excepcionalmente   poder-se-á fazer biopsia parcial em melanomas de grandes dimensões ou cuja excisão implique cirurgia mutilante. Do relatório anatomo-patológico deve constar a Espessura do tumor, a presença de Ulceração, o Nível de Clark e as Margens cirúrgicas. Outras características como o tipo clínico, invasão vascular, neurotropismo, infiltração linfocitária, regressão, índice mitótico são também importantes e a referenciar. O tumor deve ser classificado segundo os métodos internacionais – classificação UICC/AJCC. Assim, no que se refere ao tumor primitivo, o Quadro II mostra a classificação.

T0

"in situ"

 

T1

<= 1mm

a: sem ulceração

 

 

b: c/ ulc. ou nível IV/V

T2

1,01-2 mm

a: sem ulceração

 

 

b: com ulceração

T3

2,01-4 mm

a: sem ulceração

 

 

b: com ulceração

T4

> 4 mm

a: sem ulceração

 

 

b: com ulceração

 Quadro II – Classificação T (tumor primitivo)

Para tumores finos (espessura menor que 1 mm e não ulcerados), deve ser feita apenas uma avaliação clínica, dando especial atenção à palpação das cadeias ganglionares e à avaliação de organomegalias. Se forem detectados gânglios aumentados no exame objectivo, estes deverão ser submetidos a citologia, para avaliação de metástases. Caso o exame objectivo seja normal, o doente deverá fazer apenas margem cirúrgica de segurança e posterior vigilância. Para todos os outros tumores (espessura maior ou igual a 1 mm e/ou ulcerados) está protocolada avaliação clínica, laboratorial e imagiológica (TAC). Se não forem detectadas metástases, o doente deverá ser submetido a excisão alargada e pesquisa do gânglio sentinela. A margem cirúrgica deve ser efectuada de acordo com a espessura do tumor (Quadro III).

 

Margem

Recomendada

“in situ”

0.5 cm

< = 1 mm

1 cm

1.01 – 2 mm

1-2 cm

2.01-4 mm

2 cm

> 4 mm

2 cm

  * A margem pode ser modificada de acordo com considerações anatómicas e funcionais
Quadro III – Margem cirúrgica recomendada para o melanoma primitivo

Após avaliação do gânglio sentinela os doentes são classificados segundo o N (Quadro IV); os focos metastáticos detectados no gânglio sentinela por hematoxilina/eosina ou por imunomarcação (S100 e HMB45) implicam realização de celulectomia das cadeias ganglionares onde foram detectados. Cerca de 20-25% dos doentes com metástases no gânglio sentinela terão outros gânglios envolvidos na peça de celulectomia. A pesquisa do gânglio sentinela permite a avaliação de micrometástases não identificáveis doutro modo, é importante factor prognóstico, faz a correcta identificação de doentes para linfadenectomia terapêutica e selecciona os doentes com indicação para terapêutica adjuvante. Contudo, exige equipa multidisciplinar treinada (pelo menos 30 casos efectuados), tem custos económicos, é um procedimento invasivo, e a metastização do melanoma não é exclusivamente linfática, existindo provavelmente  conexões venolinfáticas que escapam à linfocintigrafia. Parece que a linfadenectomia terapêutica para doença microscópica detectada por este método pode oferecer maior sobrevida (48% versus 27% aos 5 anos - WHO Melanoma Trial nº 14).

  sem metástases ganglionares

N1

um gânglio

a: microscópica

b: macroscópica

N2

2-3 gânglios ou

metástase intra linfática

a: microscópica

b: macroscópica
c: metástase satélite ou em trânsito sem

N3

4 ou + gânglios/ gânglios confluentes/

metástases em trânsito ou satélites com

metástases ganglionares

 Quadro IV – Classificação N
Na classificação N, o número de metástases ganglionares determina N. A carga tumoral é o 2º factor mais importante (distinção entre clinicamente detectada ou apenas microscópica) e as metástases satélite e em trânsito são incluídas na categoria N. A classificação M refere-se à avaliação de metástases à distância (Quadro V).

  sem metástases à distância

M1

a: pele, tecido subcutâneo, gânglio

linfático à distância

b: metástases pulmonares
c: metástases em todos os outros

Quadro V – Metástases à distância
Esta classificação individualiza subgrupos de metástases consoante órgão, sendo que as metástases cutâneas e ganglionares têm melhor prognóstico que as pulmonares, que por sua vez têm melhor prognóstico que as hepáticas. A LDH é factor prognóstico em todos os tipos de metástases.

O Quadro VI mostra a classificação actual TNM do melanoma.

   T N M

0

Tis

N0

M0

IA

T1a

N0

M0

IB

T1b

T2a

N0

M0

IIA

T2b

T3a

N0

M0

IIB

T3b

T4a

N0

M0

IIIA

T1-4a

T1-4a

N1a

N2a

M0

IIIB

T1-4b

T1-4b

T1-4a

T1-4a

T1-4 a/b

N1a

N2a

N1b

N2b

N2c

M0

IIIC

T1-4b

T1-4b

Qualquer T

N1b

N2b

N3

M0

IV

Qualquer T

Qualquer N

Qualquer

Quadro VI – Classificação TNM do melanoma
O quadro seguinte mostra o algoritmo de tratamento do melanoma.




Quadro VII – Algoritmo de tratamento do melanoma
Após o tratamento, o doente deve ficar em programa de vigilância. O follow-up destinase a detectar: a recidiva local, as metástases em trânsito e/ou  metástases ganglionares, as metástases à distância, bem como outros tumores primários cutâneos e/ou outros tumores malignos noutros órgãos.
A recidiva local tem indicação cirúrgica, sempre que esta for exequível. As metástase em trânsito, se em número inferior a 3, devem ser excisadas cirurgicamente, ou submetidas a outros métodos destrutivos, como a criocirurgia ou laserterapia cirúrgica. Por vezes, se de pequenas dimensões, são acessíveis a métodos não cirúrgicos, como a aplicação de imiquimod. Também há relatos de boa evolução com injecção intralesional de BCG ou Interferão. A presença de maior número de metástases ou de metástases muito volumosas necessita de outras técnicas, como a perfusão hipertérmica do membro
(se localizadas a um membro) ou electroquimioterapia. A radioterapia é normalmente usada em metástases volumosas que causam dor e/ou hemorragia. A quimioterapia tem sido pouco eficaz no tratamento deste tipo de metastização. A presença de metástases à distância é sinal de mau prognóstico; consoante o número e localização, a cirurgia de excisão de metástase única ou de cito-redução é o método mais utilizado e que parece oferecer maior sobrevida e melhor qualidade de vida. Quando em presença de metástases múltiplas ou de metástases inoperáveis, a quimioterapia tem indicação. O agente mais utilizado é a dacarbazina, tendo 20% respostas, com duração média de 5-6 meses, remissão completa obtida em 5% dos doentes. Não atravessa a barreira  hematoencefálica, sendo por isso utilizada a Temozolomida, quando em presença de metástases no sistema nervosos central. A Fotemustina é utilizada como quimioterapia de 2ª linha em doentes que não responderam. Múltiplos ensaios estão a decorrer associando a dacarbazina a novos fármacos, como o Sorafenib. A poliquimioterapia tem sido também utilizada, sendo o mais conhecido e regime de Darthmouth (CBDT). Associações com interleukina 2, talidomida ou antagonista BCL2 estão também a ser utilizadas em regimes experimentais.
A imunoterapia com Interferon a tem sido largamente utilizada como adjuvante em doentes de alto risco (com primários espessos e/ou com metastização ganglionar), tendo-se verificado uma maior sobrevida livre de doença, mas sem qualquer efeito na sobrevida global dos doentes. Neste momento está apenas preconizada a sua utilização em ensaios randomizados. Também foi tentada a imunoestimulação com vacinação BCG, com resultados pouco consistentes. A imunoterapia específica activa, utilizando linhas celulares de Melanoma +/- BCG (CancerVax), ou lisados alogénicos de melanoma detox (Melacine), ou células autólogas de melanoma modificadas c/ dinitrofenol (M-VAX), ou vacinas polivalentes com antigénios partilhados, ou vacina de péptidos (cadeias de aminoácidos de epitopo de melanoma), ou vacinas de péptidos + células dendríticas em pulso está igualmente em fase experimental em doentes em Estádio IV, parecendo os resultados até ao momento serem inferiores/sobreponíveis aos obtidos com a quimioterapia clássica com dacarbazina.
No momento actual, os melhores resultados para os doentes parecem ser a aposta na prevenção primária, visando a diminuição do número de casos e na prevenção secundária, para uma detecção o mais precoce possível e um tratamento atempado.

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