Aquecimento global. Ultravioletas e ozono. Sol e solários por José Carlos Fernandes

As alterações climáticas, particularmente aquelas que poderão ser uma consequência do aquecimento global, têm despertado muita discussão e controvérsia no mundo científico. Os possíveis efeitos, que alguns antevêem catastróficos, colocaram o assunto na agenda política, com ampla visibilidade nos meios de comunicação social.

Para o aquecimento global tem sido invocado o reforço do efeito estufa, em consequência da libertação para a atmosfera de gases, particularmente o CO2, produzido em grande quantidade pela actividade humana (combustíveis fósseis, incêndios, abate intensivo de árvores, etc.). A rarefacção da camada de ozono que ocorre em algumas épocas do ano, de forma mais intensa na região da Antárctida, é outro problema atmosférico que não está directamente ligado com o aquecimento global. O ozono é um gás composto por três átomos de oxigénio, que se acumula na estratosfera e bloqueia a penetração da radiação ultravioleta (RUV) de comprimentos de onda mais curtos. Na redução da camada de ozono estão envolvidos compostos como os CFC que durante décadas foram muito utilizados em sprays e sistemas de refrigeração. A diminuição do ozono estratosférico implica a chegada à superfície terrestre de maior quantidade de radiação ultravioleta, a qual tem efeitos biológicos sobre a pele. Algumas projecções indicam que uma redução de 1% da camada de ozono pode acarretar um aumento de 3% na incidência de cancro da pele.


A radiação ultravioleta é normalmente dividida em três faixas: UVC (100-290 nm), UVB (290-320 nm) e UVA (320-400 nm). A radiação UVC é filtrada na atmosfera, particularmente na camada de ozono e não atinge a superfície terrestre. Os UVB são filtrados na camada de ozono e apenas 5% chegam à terra. Os UVA são menos filtrados ao longo da atmosfera e representam 95% da radiação ultravioleta que atinge a superfície.

A intensidade da RUV varia ao longo do dia e do ano, sendo mais marcada quando os raios solares atravessam a atmosfera numa trajectória mais perpendicular. A intensidade da RUV é também afectada pelas nuvens mas em muito menor grau que a luz visível ou os infravermelhos. Assim, apesar da temperatura mais amena, a RUV, particularmente a UVB, é pouco filtrada e a queimadura solar ocorre muitas vezes neste contexto.

A RUV a que estamos expostos não é apenas a directa mas também a dispersa e a reflectida. Numa praia, a sombra de um guarda-sol protege da radiação directa mas não da reflectida, podendo 3 horas debaixo do guarda-sol equivaler a 1 hora de exposição não protegida. Mesmo imersos na água não estamos a salvo da RUV. A 50 cm de profundidade ainda temos 40% da RUV que atinge a superfície. O vidro comum também é facilmente atravessado pelos UVA mas bloqueia os UVB.

A interacção da RUV com a pele é diferente consoante o comprimento de onda. Os UVB são mais energéticos, com maior capacidade de reacção biológica, mas penetram menos na pele, normalmente não ultrapassando as camadas superiores da epiderme, enquanto os UVA podem atingir a junção dermo-espidérmica e a derme superficial.

A exposição a fontes artificiais de UV é utilizada em dermatologia para o tratamento de algumas patologias, como a psoríase, recorrendo-se aos comprimentos de onda mais eficazes, nas menores doses e pelo menor tempo possível para alcançar a remissão da doença. Todo o tratamento é monitorizado e as doses registadas, para que se saiba quantas sessões um determinado paciente já fez ao longo da vida e qual a dose cumulativa. O paciente é informado que o tratamento não é isento de riscos, particularmente cancro da pele e fotoenvelhecimento, no entanto a relação benefício/risco é claramente favorável e normalmente superior à relação benefício/risco dos tratamentos sistémicos alternativos.

A situação é completamente diferente quando se fala em exposição a fontes de RUV para bronzeamento. Neste contexto considera-se que a relação benefício estético/risco é claramente desfavorável, pelo que é uma prática desaconselhada. Acresce o risco decorrente da utilização abusiva, continuada, sem controlo e por vezes até incentivada por informação errónea de que é saudável para preparar a pele para o sol. A adaptação da pele à RUV do sol envolve a síntese de melanina mas também o aumento da espessura da epiderme. A pigmentação rápida, forçada, obtida nos solários não se acompanha deste reforço da epiderme, pelo que a pele, contrariamente ao que é publicitado, não está bem adaptada ou preparada para o sol. Outro falso benefício é a síntese de vitamina D. Sabe-se que a alimentação fornece praticamente toda a vitamina D de que necessitamos e para a síntese fotoinduzida de vitamina D é suficiente a exposição de pequenas áreas da pele, como a face, alguns minutos por semana.

Finalmente, convém salientar que o aumento da incidência do cancro da pele verificado nas últimas décadas, não pode ser atribuído a nenhuma alteração climática, estando antes relacionado com as mudanças do comportamento em relação à exposição solar. No entanto, é possível que no futuro, se houver um incremento da intensidade da RUV que atinge a superfície terrestre, aumente a incidência do cancro da pele, a menos que a fotoprotecção seja redobrada.